A observação de aves é movida pelo prazer que o comportamento de pássaros proporciona para o observador e pela possibilidade, as vezes, de ver algo novo, algo diferente. “Hoje vi um bicho bom” significa que vi uma ave inesperada, uma fora da rotina. E vi mesmo!
Por Mario Cohn-Haft
Conversando com a minha esposa dentro de casa logo cedo, cortei o papo por achar que ouvi um som muito diferente. Podia ser? Shh, espera. De novo! Corremos pra rua, olhamos pra cima e lá estava, voando muito alto e gritando: uma curicaca!
A curicaca (Theristicus caudatus) é da mesma família do coró-coró, a dos ibis. Vem expandido sua distribuição Rio Amazonas acima com a expansão do desmatamento e da pecuária na várzea. O indivíduo sobrevoando a cidade quase certamente estava em busca de uma nova área de campo para pousar. Foto: Anselmo d’Affonseca. |
Hoje é 14 de março de 2017 e, que eu saiba, esse foi o primeiro registro de curicaca dentro da cidade de Manaus. Mas já vimos chegando há tempos. Essa espécie, que forrageia em lamaçais na várzea, é nativa do baixo rio Amazonas (e ambientes não florestais fora da Amazônia, como o Pantanal), mas vem subindo o rio acompanhando a criação de gado na várzea. No estado do Amazonas, a região de Parintins até Itacoatiara tem curicacas há décadas. Mas a subida acima da boca do rio Madeira é relativamente recente. Há alguns poucos anos vem aparecendo na área do encontro das águas e ensaiando subir o Solimões pelas costas do Iranduba e Curari.
Curicacas andam em pastagens, especialmente em áreas de várzea. O som que ela faz se ouve de longe e, como outras aves, entrega sua presença mesmo quando não se consegue vê-la. Ouça seu grito no link do Wikiaves. Foto: Anselmo d’Affonseca. |
E ela é apenas uma de várias espécies de aves que seguem o mesmo padrão. O maçaricão quero-quero, o patinho ananaí, o tucanuçu, o avoante, e o pica-pau-branco ainda são todos pássaros “bons” para a nossa região. Ou seja, são raros porque acabaram de chegar. Mas vem acompanhando a onda de desmatamento que aos poucos substitui a floresta nativa por ambientes abertos antropizados. Se não conseguirmos controlar o desmatamento, logo os bichos “bons” e difíceis serão aqueles que são daqui mesmo, e já foram comuns. Sem drama, só um alerta. Basta prestar atenção nos pássaros para ver o nosso rumo.
12 comentários:
Na hora a gente nem pensa nestas coisas, so fica muito feliz por ter a sorte de estar ali no meio da rua vendo esse bicho bonito passar e vocalizando! Mas agora, refletindo, é isso mesmo: um bicho "bom"que traz um sinal de alerta. Valeu, Mario!
Puxa, mas este registro é inusitado! Temos percebido há anos os Phimosus infuscatus invadindo espaços do quero-quero, por exemplo, cada vez mais na Ilha de Santa Catarina e arredores. Estes bichos chegaram por aqui há aprox 10 anos. Estão bem instalados! Ortalis squamata, típico do litoral já sobe a Serra, inclusive.
obrigado a quem comenta aqui, valorizando o blog. vou copiar uma troca de email com a fernanda rodrigues, que autorizou postar aqui:
On 14 Mar 2017, at 1:10 PM, Fernanda Rodrigues wrote:
Eu achei que estava "ouvindo vozes estranhas". Comentei: "gente, jurei ter ouvido um quero-quero". Esquece, isso não pode ser real. Para minha surpresa total.
Em 14/03/2017, à(s) 15:06, Mario Cohn-Haft escreveu:
pois eh, de vez em quando passa quero-quero gritando por cima das nossas casas, especialmente a noite! isso eh coisa dos ultimos anos pra ca.
Ótimo e perspicaz registro Mário! Obrigado!!
Venho notando também tanto em Manaus quanto em áreas remotas no rio Negro que já sofrem influências de queimadas e estradas...
E isso vale também para outros grupos taxonômicos.
Abs e tudo de bom
Durigan
Muito bom o texto e registro, mas triste saber o porque da migração destes pássaros.
É , nem sempre o belo é bom sinal... Sinal dos tempos em que vivemos. Desrespeito a natureza
É uma questão interessante... Por exemplo, o quero-quero ( Vanellus chilensis) começou a se expandir pelo estado do Acre por conta das pastagens e áreas desmatadas. Daqui um tempo não me surpreenderei com a chegada do anu-branco (Guira guira), que também ocupa esse tipo de nicho e que já ocupa localidades em Rondônia.
Deslocamentos são comuns entre as aves o que sempre fomentou a evolução das espécies. Acho cedo ainda pra um alarde mais significativo.
dois comentarios de amigos no facebook de avistamentos anteriores: geise goes no final do dia anterior no tiradentes, e jefferson valsko de 2 sobrevoando e vocalizando na semana anterior, tbm na cidade. parece q acabou de chegar esses dias!
É sempre bom ficamos atentos para as mudanças que estão ocorrendo! Parabéns pela postagem e pelo registro Mário!
Essa manhã bem cedo,fui lá fora tinha dois em cima da minha casa ,mordendo minha antena,e muito grandes e lindos, daí fiquei Atucanada pra saber oque significaria e cai aqui nesse site ,interessante...
Gente adoro à natureza, respeito todos os animais mas à curicaca na época de acasalamento incomodam bastante, gritam o dia inteiro e fazem a maior sujeira embaixo das árvores!
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