quarta-feira, 2 de junho de 2021

Bonsaiaçu, um conceito nascido da incompetência criativa

Sempre gostei de bonsai, aquela arte japonesa de miniaturização de árvores. Como criança, pedia livros sobre o assunto, estudava e sonhava em algum dia fazer um exemplar. Mas nunca tive a coragem. E hoje nos meus quase 60 anos continuo não tendo.


Há mais de sete anos (no dia 27 de dezembro de 2013 para ser exato), numa incursão à mata para observar aves amazônicas (minha profissão, hobby, e maior prazer), desenterrei algumas plântulas jovens de Parkia pendula para levar para a casa. Não tinha ideia de como, mas imaginei tentar fazer bonsai de uma delas.

A espécie, conhecida na Mata Atlântica como visgueiro ou angelim-saia, aqui na Amazônia é mais chamada de arara-tucupi. É, na minha opinião (uma das se não), a árvore mais linda da Floresta Amazônica. Sua copa estende lateralmente formando quase uma mesa plana de folhas delicadas e recortadas acima das outras copas. Uma das grandonas mesmo da floresta. Como recriar isso em miniatura?

Essa mudinha de uns 50 cm, nascida logo de baixo da mãe, um monstro de 30 m, foi plantada em um vasinho e ficou na meia-sombra do meu jardim de casa. Nunca tive a coragem de fazer qualquer tipo de educação da árvore, muito menos podar qualquer coisa. Só deixei ela sofrer esse tempo todo dentro de um vaso muito pequeno, com uma terra bastante exausta provavelmente.

Ela simplesmente crescia lentamente, um espigão fino, meio torto devido às viradas para achar algum sol, sem a menor tendência de querer esgalhar, muito menos produzir aquela copa chata, espalhada, maravilhosa característica da espécie—só uma vara torta mesmo. Depois de alguns anos, enquanto ela se esticava lentamente, quando não aguentei mais olhar para a desproporcionalidade absurda do vasinho que estava (de plástico ainda), tomei a coragem de passar para um vaso maiorzinho, de concreto, mais pesado e ornamental.  No ato, naturalmente rolou uma “poda” (mais como mutilação) do bololô de raízes.


Dia 21 de maio de 2021, depois de perder todas as folhas, mostrou sinais de querer esgalhar pela primeira vez na vida.

E assim passaram-se mais anos, ela subindo e eu me sentindo cada vez mais incompetente e indeciso.  Deveria ter colocado ela no chão há muito tempo, pensava.  A natureza dela é subir até emergir do dossel e, só então, formar copa.  Quase três metros de altura num vaso ridículo, não era nem uma coisa nem outra.  E para piorar, agora mês passado em plena época de chuva, perdeu todas as folhas, e eu suspeitava que tivesse finalmente batido as botas.  Mais uma perda da pandemia, do descuido, da inoperância e da incompetência.  Triste.

Mas não. As chuvas diminuindo, o sol aparecendo, começou a se esticar o botãozinho na ponta alta da vareta.  Aliviado, mesmo assim eu custei pra entender o que estava acontecendo.  Ela não recuperou; pois nunca tinha passado mal.  Ela trocou suas folhas, como uma Parkia adulta na mata faz.  E quando começou a rebrotar, não foi só na ponta apical.  Pela primeira vez, brotou em muitos lugares, claramente querendo fazer galhos.  Aí sim, entendi que ela tinha decidido (talvez por ter alcançado uma altura no jardim que o sol a iluminava o suficiente) esgalhar de vez.  Rapidinho puxei o vaso para um lugar ainda mais ensolarado, em pleno sol mesmo, para reforçar nela a felicidade da sua decisão.


24 de maio, em pleno sol, esticando em 3 direções, o ápice claramente crescendo pro lado.

O que aconteceu? O líder, o broto apical não subiu. Deitou e até agora está crescendo loucamente na horizontal! E os brotos tronco abaixo estão assumindo direções complementares. O segundo vai pra frente, quase horizontal também, e o terceiro já vai se esticando no sentido ao contrário do primeiro.  Ou seja, de um ano pro outro, de um pulso de crescimento até o próximo, ela mudou de forma. Uma adolescente Parkia pendula, num vaso no meu jardim de casa! Estou muito emocionado. Um pai comemorando o aniversario de quinze anos de sua filhinha, e se preparando para a chegada de pretendentes não merecedores.


27 de maio, lateralizando mesmo.

Já preparei um lugar novo (na “garagem” que nunca recebeu um carro) onde vai passar pelo pergolado e poder esgalhar no sol e se lateralizar à vontade.  Só falta uns três homens pra gente poder mudá-la sem machucar. Semana que vem. Se a minha visão do futuro dela se realizar, ela vai se espalhar mais, o tronco engrossar, talvez até criar sapopemas, e se tornar uma miniatura de uma Parkia da mata. 
 

Na manhã de 30 de maio de 2021 —Uma gracinha, não?

Mas com uma provável altura máxima de 3-5m, acho que nenhum conceito de bonsai aceita.  Tem uma categoria “gigante”?  Enfim, independente da falta de nome politicamente correto, de uma caixinha certa pra “raça” dela, ela se tornou a menina dos meus olhos, sem nenhum mérito meu. Espero que ela viva muito mais tempo que eu—o bonsaizeiro mais inepto, medroso e sortudo que já conheceram—e que um dia vocês a vejam com os meus olhos, de quem a admirou antes dela nem se conhecer como gente.

Mario Cohn-Haft

Acariquara

30 de maio de 2021