segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Sabia do sabiá? Saiba, são dois

Em nosso conjunto temos duas espécies de sabiá muito parecidas. Talvez você não tenha percebido a diferença, pois não é tão fácil reconhecer. 

por Mario Cohn-Haft
fotos Anselmo d'Affonseca


Pelo mundo são dezenas de espécies de sabiá, e só no Brasil mais de vinte. Provavelmente a mais conhecida ou celebrada das especies brasileiras é o sabiá-laranjeira, frequente em jardins e hortas em grande parte do sul e sudeste do país. Mas essa não ocorre na região amazônica, onde vivem várias outras espécies. Na nossa cidade temos duas, até muito parecidas: o sabiá-barranco (Turdus leucomelas) e o caraxué-de-bico-preto (Turdus ignobilis). Ocorrem juntinhos no conjunto, e talvez você não tenha percebido a diferença. Vou tentar esclarecer aqui como diferenciar esses dois sabiás, mas não é fácil reconhecê-los, então tenha paciência.

O sabiá-barranco é o mais abundante. Quase toda casa tem um casal que faz ninho de baixo do telhado da varanda em cima de uma viga protegida ou na caixa do ar condicionado. O casal mais persistente daqui de casa (pois já cheguei a ter um casal na frente e outro nos fundos) produz filhotes quase direto, acabando de tirar uma ninhada e na sequência já botando ovos de novo. Quando vê um sabiá no conjunto, deve partir do pressuposto que é o barranco, até comprovar o contrário.

É um sabiá meio sem visual muito marcante, predominantemente pardo. Se você conseguir ver uma das seguintes características, pode sentir segurança de que é mesmo o barranco: cabeça e nuca levemente acinzentadas, contrastando com a cor mais amarronzada das costas; olho ligeiramente avermelhado, diferente da maioria das espécies de sabiá. Mas sem binóculo ou uma proximidade boa com bastante luz é difícil notar essas coisas.

O sabiá-barranco (Turdus leucomelas) ou barranqueiro tem a cabeça mais acinzentada do que as costas e asas, e tem o olho avermelhado. O ventre é “lavado” de um bege meio uniforme.

Dependendo da luz, nem sempre as cores aparecem claramente. Neste caso, o olho vermelho já é suficiente para matar a identificação.
As vezes nenhuma característica diagnóstica se destaca, e por isso, nem sempre é possível sentir firmeza na identificação. Mas a própria falta de distinções já é uma pista.

Já o caraxué-de-bico-preto é menos comum e um pouco mais arisco, fazendo seu ninho escondido entre os galhos de árvores com copa densa e, que eu saiba, nunca nidificando em estruturas de origem humana. É do mesmo tamanho do barranco e também é predominantemente marrom. Mas o marrom dele é mais escuro e mais uniformemente distribuído pelo dorso, na cabeça, costas e asas. O olho é marrom também. Visto de peito no entanto, o caraxué (nome usado na Amazônia para vários tipos de sabiá) é mais contrastante, com a barriga e garganta bem brancas, se destacando da faixa marrom no peito e flancos.

O caraxué-de-bico-preto (Turdus ignobilis) é mais escuro e uniformemente marrom nas costas, asas, cabeça, e até os olhos.

Visto de frente, é mais contrastante em cor do que o sabiá-barranco. A barriga bem branquinha se destaca do peito e dos flancos marrons.

Com o pescoço esticado, o caraxué também mostra a garganta destacadamente branca.

A chave da diferenciação dos dois sabiás, na verdade, não é no olhômetro e sim pela voz. Eles têm repertórios vocais bem diferentes. O barranco canta de jeitos muito variados, as vezes mais alto, as vezes baixinho, as vezes até imitando os cantos de outros pássaros; mas sempre lento e espaçado. Seus apelos ou chamados (barulhos mais curtos e menos melodiosos do que o canto próprio) são ásperos e bem característicos. 

Escutem aqui as vozes do sabiá-barranco.

Já o canto do caraxué-de-bico-preto é bem agudo, melodioso, e mais rápido; seus apelos também mais finos. Para quem conhece o tordo-americano (Turdus migratorius, American Robin) da América do Norte, o canto é quase idêntico. 

Escutem aqui o caraxué-de-bico-preto, começando como canto e depois vários apelos.

Enfim, fora essas distinções relativamente sutis, as duas espécies tem mais em comum do que diferenças. Ambas descem para o chão para catar frutos caídos ou insetos e minhocas na grama ou de baixo das folhas secas. E ambas são originárias do ambiente de várzea (como são, na verdade, a maioria das aves da cidade), ou de áreas naturalmente mais abertas como o cerrado ou lavrados. Raramente ocorrem juntas fora de Manaus e de algumas outras áreas urbanas amazônicas. A convivência dos dois no mesmo lugar parece ser resultado da adaptação a ambientes criados pelo ser humano.

Agora, quase pronto para enviar essa materiazinha para o blog, me caiu uma outra ficha. Acho que tem uma diferença comportamental entre os dois também. Só depois de 30 anos olhando os pássaros da região que finalmente notei isso, e não tive tempo agora para testar essa observação. Mas deixo aqui notado para vocês mesmos tentarem usar e ver se funciona. O caraxué tem um hábito nervosinho de balançar rapidamente a cauda em pulsos ansiosos, nas raras vezes que pousa no aberto. Nunca vi o barranco fazer isso; ele anda e pousa com o rabo parado, sem mexer. Prestem atenção nisso e me contem se dá certo.