segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Pena de quem não viu

Essa historinha ornitológica não rolou no Acariquara. Mas aconteceu bem perto e será só uma questão de tempo até vermos a mesma coisa aqui dentro. Tomara!

Por Mario Cohn-Haft

Essa pena foi encontrada no campus do Inpa.  Parece ser a penúltima primária externa (a número nove na contagem técnica de penas de aves) da asa direita de uma coruja jacurutu (compare com as penas nesse link). Foi a primeira evidência da presença da nossa nova vizinha.
Começou há alguns meses quando a colega Summer me trouxe uma pena que encontrou no estacionamento do campus 2 do Inpa (onde trabalho). Tratava-se de uma pena de asa de coruja muito grande. Na coleção de aves, comparamos com as penas equivalentes das outras corujas conhecidas na região, mas essa era até maior do que a maior coruja que temos (o murucututu). Só restava uma opção, o jacurutu.

A coruja jacurutu é maior que muitos gaviões e pode comer ratos e mucuras à noite.  Estonteantemente bonita, ela nos brindaria com a sua presença no conjunto. Foto do Rio Grande do Sul: Robson Czaban.
Problema é que a coruja jacurutu (Bubo virginianus) não é uma ave tipicamente amazônica (veja mapa abaixo). O que estaria fazendo no estacionamento do Inpa? Devo acreditar que mora ali mesmo? A resposta veio agora. Outro dia, minha esposa, Rita, me disse ouvir um canto diferente de coruja no campus 1 do Inpa quando ela saía do trabalho depois de noite. Toquei alguns exemplares do canto de jacurutu e ela achava que batia. E o cerco ia fechando. Na noite seguinte procurei o som com a mestre Roberta e amigos. E ouvimos! Parece que tem pelo menos um jacurutu morando no Inpa!

A distribuição do jacurutu é ampla em toda a América, menos na região amazônica.  Fonte: https://www.allaboutbirds.org/guide/Great_Horned_Owl/id.

Acredito que esse registro combina com vários outros casos de expansões de distribuição associadas ao desmatamento (veja matéria Quando um “bom” passaro é um mau sinal?). A floresta amazônica de terra firme é um ambiente tão diferenciado que a maioria das suas espécies só moram ali, e dificilmente bichos de fora penetram. Mas na medida que alteramos o meio ambiente, os lugares de ocupação humana, especialmente cidades e fazendas, afastam a fauna da mata nativa enquanto proporcionam habitat para bichos de outros ecossistemas.

O jacurutu vive em áreas de cerrado e matas de galeria fora da Amazônia. Os poucos registros amazônicos vinham de locais com cerrado ou campinas extensas (veja o mapa de registros). Mas agora o jacurutu mora na cidade de Manaus. O campus do Inpa encosta no campus da Ufam, que por sua vez se cola no nosso conjunto. Fiquem atentos!

Nenhum comentário: